Nota da equipe da Produtora Caliban:
Hoje, a Caliban se despede de seu fundador, o documentarista, utopista e admirador da vida, Silvio Tendler. Ele partiu aos 75 anos, após 57 de dedicação ao cinema nacional.
Silvio deixa uma filha, um neto, mais de cem obras, incontáveis amigos, centenas de ex-alunos, uma legião de fãs e a semente da justiça social plantada em todos nós.
O velório acontecerá no domingo, dia 7 de setembro, às 11h, no Cemitério Israelita do Caju.
Com amor,
Equipe Caliban
Nota de pesar do Reitor pe. Anderson Antonio Pedroso S.J.:
A Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) lamenta, com profundo pesar, o falecimento do cineasta Silvio Tendler, ocorrido neste 5 de setembro de 2025, no Rio de Janeiro.
Ex-aluno de Direito e, posteriormente, do curso de Comunicação da PUC-Rio, Silvio Tendler dedicou mais de quatro décadas à docência em nosso Departamento de Comunicação Social, onde fundou o curso de Cinema e inspirou gerações de estudantes. Reconhecido como um dos principais documentaristas brasileiros, sempre uniu sua obra a valores de memória, justiça social e cultura, em sintonia com a missão da Universidade.
A PUC-Rio expressa sua solidariedade à família, aos amigos e à comunidade cultural neste momento de perda, e rende gratidão por sua contribuição acadêmica e humana, que permanecerá viva na história da Universidade.
Nota do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio:
Silvio Tendler, cineasta da utopia.
Um dos principais documentaristas brasileiros, o cineasta Silvio Tendler era reconhecido como “o cineasta dos sonhos interrompidos”. Registrou em seus filmes a ascensão e queda de figuras fundamentais da vida política nacional, como os presidentes João Goulart, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Paralelamente à atuação como documentarista, foi professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, por 40 anos, de 1979 a 2019, e participou da fundação do curso de Cinema, em 2005.
– Ensinar é viver. E viver é muito bom. Aprender a ter os prazeres da vida, saber que trabalhar em cinema não é apenas uma profissão, é um grande prazer, de você poder contar histórias, conhecer gente, viajar, conhecer lugares. O cinema me deu muito – declarou Tendler em 2012, quando o DCOM celebrou 60 anos de criação.
Homenageado na PUC-Rio em 2019 pelas mais de cinco décadas de carreira dedicada ao cinema documental, Tendler realizou mais de 80 obras para cinema e televisão. Em 2019, uma mostra do Departamento de Comunicação homenageou os 51 anos do primeiro documentário de Tendler, “Entrevista com João Cândido” (1968), sobre a Revolta da Chibata. Em quatro dias, o cineasta exibiu filmes inéditos e recém-finalizados, recebeu convidados e professores para debates.
– A alegria de viver, o humor de Silvio Tendler eram um antídoto contra a casmurrice que acomete por vezes a vida acadêmica. Sua fina ironia desmontava sutilmente os clichês, as certezas do senso comum. Tive a sorte de ter sido sua colega durante quatro décadas, de acompanhar seu entusiasmo como professor, transmitindo a cada nova geração a paixão pelo cinema: paixão pela força das imagens como registro e instrumento de transformação da história – lembra a professora Vera Follain Figueiredo (PPGCOM/PUC-Rio).
Sua trajetória cinematográfica sempre esteve atrelada à política. Em 1970 exilou-se no Chile, entusiasmado com a vitória do presidente Salvador Allende, e depois na França, onde deu continuidade aos estudos sobre cinema. Entre os principais projetos estão os longas “Os Anos JK” (1980), que começou a desenvolver quando retornou da França no fim da década de 1970, “Jango” (1984), sucesso nacional de bilheteria, e “Tancredo, a travessia” (2011). Também visitou o cinema e as ideias de Glauber Rocha em “Glauber o filme, labirinto do Brasil”, lançado em 2003.
De volta ao Brasil, em 1981 fundou a Caliban Produções Cinematográficas, produtora e distribuidora de cinema e vídeo dedicada a filmes documentais históricos e sociais, como “Utopia e barbárie” (2010), e “O futuro é nosso!” (2023), seu último longa. Foi produzido durante a pandemia, com entrevistas feitas por videochamada com trabalhadores, cientistas políticos, economistas, jornalistas, dirigentes sindicais e o cineasta britânico Ken Loach, sobre a precarização do trabalho. Os filmes do cineasta estão disponíveis gratuitamente no canal de Youtube da produtora.
Reconhecido pela atuação em projetos de preservação da memória política e cultural do país, o cineasta recebeu, em 2013, a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida pelo Grupo Tortura Nunca Mais e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Também foi homenageado com a Medalha Pedro Ernesto (1984), o Troféu Margarida (1999), o Prêmio Salvador Allende (2005), a Medalha Tiradentes (2008) e o Prêmio Parceiros da Paz e da Sustentabilidade (2012).
O legado de Tendler é crucial na construção da memória audiovisual brasileira e deixa ensinamentos para profissionais e estudantes de Comunicação. Professor da disciplina Direção Cinematográfica/Documentário, Emílio Domingos destaca a importância da obra do cineasta na história do país:
– Silvio Tendler é uma figura inspiradora, um homem que viveu intensamente o seu tempo, o seu cinema, o documentário. Inspirou muita gente. Ele fez filmes que pensaram o Brasil e o mundo, e teve muita coragem. Imagina um homem que fez “Jango”, um filme que denunciava a ditadura militar ainda durante o regime. É um criador inquieto, um homem à frente do seu tempo e que vai ficar para sempre por sua obra.
Ex-professor e egresso do DCOM, Bernardo Uzeda ressalta a importância do documentarista em sua trajetória:
– É triste, especialmente para nós, do audiovisual, mas também para todos os brasileiros que se importam com a memória do Brasil, do cinema e do jornalismo. O Silvio tinha essa grande capacidade de agregar vários universos nos seus filmes e ensinamentos. Sempre foi muito entusiasta e carinhoso comigo. Convivi muito com ele tanto na época de aluno quanto como professor. É uma grande honra ter sido seu contemporâneo e colega, e devo muito a ele.
Como professor, colecionou momentos e conexões com os alunos. O cineasta e jornalista Marcio de Andrade lembra dos comentários nas provas e do incentivo a produzir filmes e documentários:
– Além de mestre e professor, ele era um amigo. O que fica são as risadas, as conversas. Sua obra é vastíssima, e temos que lembrar desta figura inteligente que conseguia articular pensamentos, valorizar a história deste país. Ele vai fazer muita falta. É uma grande perda.
A jornalista Gisele Rodrigues, ex-aluna e amiga desde os anos 1990, também lamenta a morte do mestre:
– Silvio Tendler era especial. Nos reuníamos para falar da vida, do trabalho e dos amores. Abria janelas nos corações e mentes de quem o ouvia. Generoso, transformou em som e imagem as impressões mais sensíveis, profundas, utópicas e provocadoras que tinha sobre as histórias que contava. Pouco falava dos problemas de saúde. Escolheu a bravura de resistir para continuar fazendo arte, como se a realidade o convocasse: vai, Silvio, seja forte, você é necessário e urgente. E ele foi. Presente, disponível, comprometido, insistente, realizador. Sua obra é eterna, como as doces lembranças da sua presença intensa e inspiradora.
Veja abaixo, em Saiba Mais, o artigo do prof. Sérgio Braga publicado no site "a terra é redonda".